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Dados da Polícia Federal mostram que quase 100% das armas registradas no país estão nas mãos de homens no Brasil. Dados da corporação mostram que, de 1,2 milhão de armas cadastradas no Sinarm (Sistema Nacional de Armas) e com registro ativo, 95,9% pertencem a homens.
A base de dados inclui armas de caçadores de subsistência, armas de cidadãos comuns para defesa pessoal, seguranças e servidores públicos.
Esse padrão se repete no caso de CACs (caçadores, atiradores e colecionadores) que tiveram as armas recadastradas na PF em 2023. São 468.043 homens com armas, contra 17.637 mulheres e 571 pessoas que não quiseram informar, representando um percentual similar.
O governo do presidente Lula (PT) determinou no ano passado que todas as armas de CACs, que ficam na base de dados do Exército, fossem recadastradas no Sinarm, administrado pela Polícia Federal.
A norma se aplica a todas as armas adquiridas a partir de maio de 2019, quando começaram as flexibilizações durante o governo de Jair Bolsonaro (PL).
A análise da reportagem não considerou as armas cadastradas no Sigma (Sistema de Gerenciamento Militar de Armas) que não foram compartilhadas com a PF. É nessa base de dados do Exército que estão registradas as armas das Forças Armadas, instituições de segurança pública e todos os CACs.
Enquanto essas armas se concentram nas mãos de homens, esses artefatos tanto do mercado legal quanto ilegal já foram usados em 65% dos homicídios e feminicídios de mulheres no país.
Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2024 mostram que houve 3.930 homicídios de mulheres no país em 2023, sendo 1.467 feminicídios.
Dentre esses casos, 63,6% foram causados por arma de fogo, seguidos por arma branca (18,7%), espancamento (5,1%), objeto contundente (3,3%) e outros (9,4%).
Pesquisas mostram que a presença de armas de fogo pode agravar a violência doméstica.
“Nos casos práticos, vemos que essa arma é raramente usada com sucesso para defesa patrimonial ou proteção da vida da família, mas sim para violência doméstica, cuja face mais evidente é o feminicídio, especialmente de mulheres que buscam terminar a relação”, diz Bruno Langeani, consultor sênior do Instituto Sou da Paz. “Também ocorrem agressões e ameaças silenciosas, onde a arma é usada para coagir a vítima a não procurar a polícia.”
Roberto Uchôa, membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, afirma que muitos homens aderem a uma expectativa rígida da masculinidade tradicional, que inclui características como agressividade e dominância.
Segundo ele, isso pode levar muitos desses homens a buscar validação por meio de comportamentos que sigam essas normas, incluindo o uso de armas de fogo. No entanto, estatísticas indicam que a presença de armas em lares pode aumentar o risco de violência doméstica e acidentes.
“Assim, a conexão entre masculinidades frágeis e o uso de armas de fogo não apenas perpetua estereótipos perigosos, mas também pode exacerbar a violência dentro dos lares, onde mulheres e crianças tendem a ser as principais vítimas, o que pode explicar por que mulheres não aderiram às armas de fogo”, acrescenta Uchôa.
Para Langeani, o perfil dos compradores e possuidores de armas também deveria estar sendo analisada criteriosamente pelo governo para pensar em campanhas de comunicação que ajudem na redução da demanda.
O decreto de Lula (PT) deu um freio à flexibilização de normas adotada no governo Bolsonato, que resultou no aumento do número de armas e munições em circulação.
Uma das mudanças que vieram com a nova norma é a transferência dos CACs para a Polícia Federal. Um relatório recente do TCU (Tribunal de Contas da União) concluiu que o Exército falhou em suas atribuições.
Relatório mostrou que 5.200 condenados pela Justiça conseguiram obter, renovar ou manter o registro de CAC no Exército entre 2019 e 2022. Eles respondiam principalmente a acusações por porte ou posse ilegal de armas, lesão corporal e tráfico de drogas.