a tarde
Tenho ouvido comentários recentes sobre o tema Segurança Pública, que para nós brasileiros, infelizmente, é um problema, apontando para o diagnóstico de uma variante óbvia, mas pouco enfrentada com clareza – A questão das comunidades.
As causas do problema são numerosas e de diversos matizes. Poderíamos citar temas como o Poder de Combate das Polícias; a Legislação e a Execução Penais; Impunidade; Economia; Educação; e os Direitos Humanos, os quais são apenas pequenas agulhas no meio de um grande palheiro.
Mas a questão das Comunidades, ao abranger várias causas ao mesmo tempo, ganha contornos que a tornam mais expressiva. Antes de qualquer comentário, ressalto que as pessoas que vivem nessas Áreas são, em sua maioria, trabalhadoras, cumpridoras de suas obrigações e foram, em algum momento da vida, sobretudo na infância, carentes de oportunidades. A falta de capacitação, da qual decorre o desemprego, associada à oferta incipiente de moradia para os grupos de baixa renda, emolduram o cenário que empurra famílias inteiras para uma vida à margem da normalidade.
Em algumas capitais, há algumas décadas, era possível mapear o controle territorial pelas milícias e pelo tráfico de drogas. Hoje, o problema é muito mais agudo. Surgem novas comunidades e as já existentes crescem em progressão geométrica. Muitas são assediadas por grupos criminosos que vêm de fora. As administrações municipais não conseguem enfrentar o caótico processo de urbanização.
Vejo porém, nesse contexto complexo, uma causa que está presente em todas as mazelas do mundo em que vivemos. A deficiência na Educação Básica e, em consequência, uma grande dificuldade em adquirir a noção da importância do respeito às regras, para a vida em sociedade. Do desrespeito às regras para o desrespeito à Lei, a distância é muito curta.
Comandei uma Brigada de Infantaria de Selva na Amazônia, cujo Quartel-General ficava em Tefé, onde estavam sediadas as Unidades de Comando e Controle, uma Base Logística; um Batalhão de Infantaria de Selva; e a Polícia do Exército. Em Tabatinga e Cruzeiro do Sul, havia dois outros Batalhões. Nossa Área de Responsabilidade abrangia milhares de quilômetros quadrados de Selva e quase 3.000Km de Linha de Fronteira, com o Peru e a Colômbia. Em todos esses Municípios, um problema seríssimo – os acidentes com motocicleta, decorrentes principalmente de falta de habilitação; descumprimento de regras de trânsito e condução sem o uso de equipamentos de proteção. Eram altíssimos os gastos com evacuação por avião.
Decidi enfrentar o problema e passei a cobrar dos meus subordinados o que me facultava a Lei. Ocorre que se tornou notório, com o passar do tempo, que só os militares cumpriam as regras. Organizei um Seminário, convidei todas as autoridades locais e apresentei uma análise da situação, com imagens de flagrantes de infração, acompanhadas da descrição e penalidades correspondentes, cujos protagonistas eram, por vezes, essas mesmas autoridades. Os resultados foram muito bons, deflagrando um início de mudança. Entenderam que a Lei deve ser cumprida, não cabendo a ninguém escolher as mais ou menos importantes, ou entendendo que algumas podem ser flexibilizadas. Lei existe para ser cumprida. Autoridades devem dar exemplo.
As Comunidades já nascem de uma ação de desrespeito à Lei – a ocupação irregular. Daí até o tráfico de drogas e outras ações ilícitas, o caminho é marcado por outras centenas de irregularidades. O fim do túnel é o estabelecimento de áreas onde o Estado não entra. Reitero que solucionar o problema da educação; da geração de empregos; e da moradia, entre outros, é Missão do Poder Público. Se tudo isso funcionasse, não existiriam “Comunidades”. Nada justifica, no entanto, a opção pela via irregular. O consciente coletivo de desconsiderar regras e Leis enseja um clima nada saudável, nocivo para a sociedade como um todo que termina por voltar-se diretamente contra aqueles que nele estão inseridos. É um jogo de perde/perde permanente.
Cada vez mais, percebe-se que o cobertor vai ficando curto. O Estado não consegue enfrentar todas as causas ao mesmo tempo. Urge seguir as regras básicas para um combatente de selva que momentaneamente perdeu o caminho – Estacionar; Alimentar-se; Orientar-se; e navegar. Temos que parar; identificar todas as causas; hierarquizar; elaborar estratégias que, certamente, extrapolarão períodos de governo; e elaborar e pôr em execução planos para enfrentar as causas mais importantes, à revelia dos processos eleitorais. Nessa navegação, sem lugar a dúvida, é fundamental para o cidadão estar motivado a CUMPRIR A LEI. Não há meio termo. Trata-se de uma questão de Sobrevivência.
*O autor é o General de Divisão R1 Racine Bezerra Lima Filho, que exerceu dentre outras as funções de Comandante da 16ª Brigada de Infantaria de Selva; Chefe da Representação do Brasil na Junta Interamericana de Defesa, em Washington, DC, EUA; Comandante da Sexta Região Militar; e Comandante Militar do Planalto