a tarde
Podcasts policiais, canais no Youtube, produtores de conteúdo para Instagram e Tik Tok. Algumas dessas ferramentas têm sido utilizadas por policiais militares para expor a rotina de trabalho e, por muitas vezes, se posicionar sobre determinados temas. Em rápida pesquisa é possível ver que o tipo de conteúdo tem grande alcance em número de acessos. Entretanto, tanta exposição pode trazer punições.
Na Bahia, o Soldado Clézio Santana Lins, conhecido como Lins Santana, e o Soldado Diego Santana Correa Oliveira estão respondendo a Procedimento Administrativos Disciplinares após participações em podcasts.
Durante a participação no podcast “Só Vem”, no dia 5 de outubro, Lins descreveu detalhes de uma abordagem policial da guarnição que integrava. De acordo com a justificativa do PAD, o servidor “maculou a imagem da corporação, desacreditando à população a seriedade da abordagem policial”. Lotado no Batalhão do PETO, no bairro do Nordeste, em Salvador, Corrêa participou do podcast “Fala Glauber”, no dia 28 de setembro. Dentre as falas, ele comentou sobre a visita do Ministro da Justiça, Flávio Dino, no Complexo da Maré, no Rio de Janeiro.
“Proferiu acusações e teceu comentários desrespeitosos contra o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, atribuindo falsamente a amizade com traficantes […] bem como fez imputações ofensivas contra o ministro com a intenção de desacreditá-lo perante a sociedade e provocar contra ele desprezo, menosprezando-o”, diz trecho do Processo.
Ao Portal A TARDE, o soldado Corrêa foi enfático ao dizer que não pretende se calar, mesmo com o andamento do PAD. “Não vou me calar, não falei nada contra a instituição,não denegrir a imagem da instituição, não agir com uma postura diferente do que pede o regulamento. Também não estava representando a instituição oficialmente, nem mesmo extraoficialmente. Estava falando como cidadão, exercendo o direito à liberdade de expressão”, disse.
Imagem ilustrativa da imagem Entre a farda e a opinião: redes sociais são desafios para policiais
Em nota, a Polícia Militar da Bahia informou ao Portal A TARDE que os policiais militares estão submetidos a normas. “A conduta dos integrantes da PMBA nas mídias sociais é regida por portaria específica. Indícios de condutas diversas do que é estabelecido na referida portaria são apurados através de procedimentos internos com fim de esclarecimento das circunstâncias”.
A conduta devida nas redes sociais
Para evitar uma “onda” de policiais influenciadores digitais, o Comando Geral da Polícia Militar da Bahia passou a disciplinar a conduta dos policiais nas redes sociais através da portaria nº 015-CG de 2022, na qual, estabelece condutas para “uso responsável” das redes. A norma autoriza o policial militar a ter rede social, mas veda que ele se vincule a imagem da instituição.
Por exemplo, a portaria veda que o policial divulgue doutrinas, técnicas e táticas utilizadas no serviço. Também é vedado, por exemplo, que o policial utilize as redes sociais para expressar ou compartilhar informações de caráter político-partidário. Divergindo da ideia de que os policiais estão exercendo as suas liberdades de expressão, o advogado criminalista Ivan Jezler ressalta que esse não é um direito absoluto.
“Fora os direitos do cidadão não ser escravizado e não ser torturado, nenhum direito constitucional é absoluto. Por exemplo, por mais que a imprensa detém a liberdade de expressão, esse direito é mitigado. Nestes casos envolvendo policiais há um conflito entre segurança pública e liberdade de expressão. Tem que se analisar o caso concreto e aplicar uma proporcionalidade. Esses policiais têm direito à liberdade de expressão, mas desde que não seja conflitante com a sua atuação. Claro que não é a partir desta portaria que vai ser vedada a participação em todo podcast ou utilização de rede social”, disse.
Contudo, policiais ouvidos pelo Portal A TARDE, que preferiram manter o anonimato por receio de retaliação, informaram que não houve qualquer divulgação ou direcionamentos para tropa sobre a portaria. “Hora nenhuma chamou a gente para conversar. Nem mesmo o comandante imediato falou sobre o tema para explicar a diretriz”, diz um deles.
Na visão do presidente da Centenária Milícia de Bravos, uma associação dos policiais militares, Fabio Britto, a portaria visa preservar a Instituição e também os policiais militares.
“Eu entendo que a intenção da Corporação foi balizar as condutas dos policiais, vez que no Brasil inteiro, policiais estavam participando de inúmeros podcasts e, por vezes, extrapolando. Prova disso é que foi noticiado que o Ministério Público estava pedindo cópias dos vídeos gravados para apurar as condutas de policiais durante os podcasts espalhados em todo país, inclusive, confessando o cometimento de crimes e variados desvios de condutas”, disse.
Fábio também lembra que a portaria não tem o poder de restringir direitos e criar obrigações. “Essa matéria tem que ser amplamente discutida com a sociedade, com as associações, com o parlamento e transformada em Lei, que são matérias reservadas à Lei, em sentido estrito. Os podcasts e lives são irreversíveis, e em sua maioria, tem servido para orientar positivamente os nossos jovens que estão voltando a enxergar os nossos policiais como exemplos a serem seguidos.”.
O recuo da tropa
Produtor de conteúdo e apresentador do “PodTchaca”, o Soldado Lázaro Andrade, conhecido como Alexandre Tchaca, conversou com a equipe do Portal A TARDE. Na visão de Thaca, o tipo de conteúdo que ele produz serve para quebrar a visão que a sociedade tem dos policiais militares. Ele também revelou que, após a repercussão dos casos envolvendo os colegas, têm percebido que outros militares têm apresentado resistência para participar do programa.
Imagem ilustrativa da imagem Entre a farda e a opinião: redes sociais são desafios para policiais
“Já está tendo uma recusa por conta da retaliação, mesmo o meu podcast não sendo na linha do de Glauber. Eu faço um briefing com o policial antes da entrevista e durante a conversa não permito que ele extrapole. Não estou ali para prejudicar ninguém e sim para cuidar. Não faço perguntas tendenciosas, nossa linha é de buscar aproximar a população dos policiais”, contou.
Na contramão das punições, o deputado estadual Diego Castro defende um tratamento humanizado para a tropa. Nesse sentido, ele propõe a discussão sobre um novo código de ética para a categoria.
“Apresenten na Assembleia Legislativa da Bahia a proposta de um novo código de ética e disciplina, que visa, sobretudo, trazer um tratamento humanizado para os nossos valiosos policiais militares e bombeiros do nosso Estado”, contou.